06 novembro, 2011

SORRIA




Sorrir sorrir sorrir - sorria
Sempre haverá nova alegria
Sorrir sorrir sorrir - sorria
Mesmo intensa a dor
Sorrir sorria
Por mais que seja longa a travessia
A força nunca há de cessar
A felicidade principía
Na vontade de lutar
É indo em frente
É inventando
Que a gente encontra a solução
Nada é tão grave
Nada é perdido
Quando há paz no coração
Sorrir sorrir sorrir - sorria
Sempre haverá nova alegria
Sorrir sorrir sorrir - sorria
Mesmo intensa a dor
Sorrir, sorria
A gente faz de um pingo tempestade
Quando perde uma paixão
Vira juiz, condena a humanidade
Esquece que amar é comunhão
É um mais um
É um por um
Ninguém é dono da razão
Há sempre alguém pra ser seu bem
Nada é impossivel pro coração
Sorrir sorrir sorrir - sorria
Sempre haverá nova alegria
Sorrir sorrir sorrir - sorria
Mesmo intensa a dor
Sorrir sorria...
A vida é sempre cheia de mistérios
De guerra e paz, de solidão
Uns fazem dela o seu inferno
Comem com o diabo o mesmo pão
Mais nunca é tarde
Nada é tão triste
A felicidade é por um triz
A vida é bela
E a luz existe
Para que quer viver feliz
Sorrir sorrir sorrir - sorria
Sempre haverá nova alegria
Sorrir sorrir sorrir - sorria
Mesmo intensa a dor
Sorrir sorria
O mal humor não modifica a vida
Nem impedirá o sol da manhã
Suas lágrimas são ponto de partida
A sabedoria é seu divã
O tempo vai
O tempo vem
E a gente aprende que é capaz
Tá tudo dentro da nossa mente
Voce pode tudo, voce pode mais
Sorrir sorrir sorrir - sorria
Sempre haverá nova alegria
Sorrir sorrir sorrir - sorria
Mesmo intensa a dor
Sorrir sorria...

EUDES FRAGA


João Bosco - Caminhos Cruzados (Tom Jobim)




Quando um coração que está cansado de sofrer
Encontra um coração também cansado de sofrer,
É tempo de se pensar,
Que o amor pode de repente chegar.
Quando existe alguém que tem saudade de outro alguém
E esse outro alguém não entender,
Deixa esse novo amor chegar,
Mesmo que depois seja imprescindível chorar.
Que tolo fui eu que em vão tentei raciocinar
Nas coisas do amor que ninguém pode explicar!
Vem, nós dois vamos tentar...
Só um novo amor Quando um coração que está cansado de sofrer,
pode a saudade apagar
.

02 novembro, 2011

DEVAGARINHO

O amor desbasta o ego. Enxuga excessos. Delata as mínguas. Transforma as mágoas. Destrona arrogâncias e idealizações. Desmancha certezas e tece oportunidades. Bagunça a autoimagem todinha, piedade zero, culpa nenhuma. O amor percorre territórios devastados da alma com a calma necessária para reflorestar um a um. Dissolve neblinas. Revela o sol. Destece máscaras. Reinaugura a humildade. Faz ventar. Faz chorar. Faz sorrir. Faz teOmpestade um monte de vezes pra dizer também céu azul um monte de vezes depois.

O amor nos ensina a simplificar perdões porque nos humaniza e nos lembra o quanto precisamos ser igualmente perdoados por tanta coisa, tanta gente, a começar por nós mesmos. Ele dispensa julgamentos porque abraça virtudes e limitações. Ele nos aproxima do nosso tamanho e  nos recorda quem somos. O amor nos revista, inteiros, pra retirar relógios, calculadoras, roteiros, estratégias, controles, defesas; não raro, escondidíssimos. Diz nas sutilezas. Diz preciosidades que, mesmo às vezes bem baixinho, conseguimos ouvir e reconhecer, por mais cético e assustado que tenha se tornado o nosso coração. 

O amor nos molda a cada movimento também para a liberdade de acolher o imprevisível, o inimaginável, o inevitável, o aprazível. Para querer ser e querer sinceramente que os outros também sejam. Ele nos torna mais sensíveis à alegria e à dor de toda gente, inclusive, principalmente, às nossas. Faz com que a gente se sinta parte da família humana. Conta que aquilo que procuramos, amiúde, num mundaréu de lugares, esteve o tempo todo, primeiro disponível, onde raramente buscamos. Reinventa-nos para nos tornar mais parecidos com nós mesmos, o máximo possível a cada instante. Dia após dia da nossa prática. Com medo e tudo. Com propósito e também com carinho. Devagarinho. 

Ana Jácomo
http://anajacomo.blogspot.com/

01 novembro, 2011

Eu quero - Sérgio Bittencourt

Eu quero que você me ame
Que você me chame quando precisar
Eu quero saber ir embora
Sem ter dia e hora pra poder voltar
Eu quero quando o tempo passa
Que você na raça saiba me ganhar
Eu quero ter a vida inteira
Pra fazer besteiras e voce perdoar
O que eu sei hoje da vida
Até deus duvida e eu vou te ensinar
Eu sei dizer tudo o que sinto
E até o que não sinto pra me desculpar
Eu sei calar na hora exata
Sei que a dor não mata mas pode marcar
Eu sei traçar a minha meta
Ninguém é poeta por saber rimar
E por falar em poesia vai raiar o dia
E eu te buscar, eu quero juro de verdade
Que toda a cidade veja eu te levar
Por todos os meus descaminhos
Somos tão sozinhos que o melhor
Mesmo é se dar
Eu quero que voce se dane
E mesmo que eu te engane
É assim que eu sei te amar
É assim que eu sei, eu sei te amar
É assim que eu sei, eu sei te amar

31 outubro, 2011

Instante

Definitivo só o instante 
E tantos houve

Só e só o instante
Fica imorredouro na memória
Completo, incoercível
Um triz
Onde cabe o mundo todo
Do lado de fora do enlevo

E o profundo se mistura
Ao mais superficial
Sem procura de rumos
Ou padecimentos
Revestido apenas do encanto
Da entrega
E da inteira presença
Do muito de cada um

Definitivo só o instante
E tantos houve
E tantos não haverá


Marcos Quinan


http://abaribo.blogspot.com/2011/10/instante.html

PRESO A TI POR MIM MESMO


O que te prende a alguém que já não amas?
O que te mantem preso a um mundo que te sufoca?
O que retem teu grito de angústia, em fúria louca, na tua boca?

Digo-te: 
ainda que negues por vaidade 
é tua covardia que te rouba a liberdade.

CHGonçalVES
http://jardimdapalavra.blogspot.com/2011/10/preso-ti-por-mim-mesmo.html

De onde vem a calma

Sou fissurada em música, tudo que me cai aos ouvidos, ouço!! nem que seja para criticar...rs.
Fã de Ceumar (Coelho), acabei descobrindo Rubi, que depois achei no meio da "sujeira musical", como define o monte de cd's espalhados por seu carro, meu querido Nilson Chaves,(outro grande da música) - aí bebi na fonte com vontade, li e reli - ouvi demais, aprendi todas as músicas, comecei a capturá-lo pela net.
E minha filha que gosta de Los Hermanos me "apresentou" Marcelo Camelo, que descobri ser grande compositor, eu nunca tinha observado, por não dar muito ouvido aos Los Hermanos, faço aqui meu mea culpa.  Camelo que assina essa e outras músicas tão bem interpretadas por Rubi , que tive a grata surpresa de descobrir ser meu conterrâneo - tão goiano quanto eu!




Mãos Dadas




Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.




Carlos Drummond de Andrade

29 outubro, 2011

CORAÇÃO ABERTO



Às vezes, na estranha tentativa de nos defendermos da suposta visita da dor, soltamos os cães. Apagamos as luzes. Fechamos as cortinas. Trancamos as portas com chaves, cadeados e medos. Ficamos quietinhos, poucos movimentos, nesse lugar escuro e pouco arejado, pra vida não desconfiar que estamos em casa. A encrenca é que, ao nos protegermos tanto da possibilidade da dor, acabamos nos protegendo também da possibilidade de lindas alegrias. Impossível saber o que a vida pode nos trazer a qualquer instante, não há como adivinhar se fugirmos do contato com ela, se não abrirmos a porta. Não há como adivinhar e, se é isso que nos assusta tanto, é isso também que nos dá esperança.

É maravilhoso quando conseguimos soltar um pouco o nosso medo e passamos a desfrutar a preciosa oportunidade de viver com o coração aberto, capaz de sentir a textura de cada experiência, no tempo de cada uma. Sem estarmos enclausurados em nós mesmos, é certo que aumentamos as chances de sentir um monte de coisas, agradáveis ou não, mas o melhor de tudo, é que aumentamos as chances de sentir que estamos vivos. Podemos demorar bastante para perceber o óbvio: coração fechado já é dor, por natureza, e não garante nada, além de aperto e emoções mofadas. Como bem disse Virginia Woolf, “não se pode ter paz evitando a vida.

Ana Jácomo

03 outubro, 2011

O importante é decidir!


Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. Digo o que penso, com esperança. Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor. Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende. Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir."
Cora Coralina

Saudade


Quem quiser plantar saudade,
escalde bem a semente
e plante na terra seca
em dia de sol bem quente,
pois se plantar no molhado,
ela nasce e mata a gente..

01 outubro, 2011

Coração Cigano

"Coração é catavento
Carrossel sem direção
A girar de um modo lento
Pelo vento da ilusão
Nesse eterno movimento
De saudade, de tristeza e de paixão
Coração roda de engenho
Feito o meu, movido à mágoa
Quando mais mágoas eu tenho
Gira mais a roda d'água
É assim esse desenho
Que só pára
Quando pára o coração"
- Edu Lobo e Paulo C. Pinheiro

04 setembro, 2011

Clarice Lispector

... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.

- foto de Fernando Quevedo

Oscar Wilde

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Escutar...

O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: "Se eu fosse você..."
A gente ama não é a pessoa que fala bonito. E a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. E na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina.
Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção. Todos reunidos alegremente no restaurante: pai, mãe, filhos, falatório alegre. Na cabeceira, a avó, com sua cabeça branca. Silenciosa. Como se não existisse. Não é por não ter o que dizer que não falava. Não falava por não ter quem quisesse ouvir. O silêncio dos velhos.
No tempo de Freud as pessoas procuravam os terapeutas para se curarem da dor das repressões sexuais. Aprendi que hoje as pessoas procuram os terapeutas por causa da dor de não haver quem as escute. Não pedem para ser curadas de alguma doença. Pedem para ser escutadas. Querem a cura para a dor da solidão.
Acho bonito o taoísmo, filosofia oriental. Para saber como ele é basta ler os poemas de Alberto Caeiro. O taoísmo é um jeito de olhar para o mundo. São muitos os jeitos de olhar para o mundo. Cada jeito, cada mundo. O taoísmo diz que o mundo é feito de encaixes. Tudo vem aos pares. O que não tem par não existe. Tudo é macho e fêmea: yang, yin. Quando as duas partes do par se encaixam faz "clac" - e a felicidade acontece.
Para haver encaixe é preciso que cada pane seja incompleta. Se as partes fossem completas os encaixes não seriam possíveis nem necessários. Como num quebra-cabeça. Cada peça tem de ter um buraco. Esse buraco é para nele se encaixar um "pleno" da outra peça. Se tal buraco não existir, o encaixe não pode acontecer. O quebra-cabeça fica frouxo, solto, desmancha. Mas não acredite nessa palavra "pleno", que usei. Usei por falta de outra. "Pleno" sugere algo completo, em que nada falta. Mas a verdade é outra. Todo "pleno" é um buraco visto pelo avesso. Quando o buraco e o pleno se juntam acontece o encaixe. (Quem já montou quebra-cabeça sabe do prazer quase erótico que se sente ao fazer uma peça se encaixar na outra. Como se fosse uma metáfora sexual. Confirmação do taoísmo.) Viver é montar um quebra-cabeça. Viver é procurar encaixes.
Acho que os taoístas aprenderam isso observando a boca de um nenezinho sugando o seio da mãe. A boca é um vazio. Sem nada saber ela já sabe sobre os encaixes. Suga o vazio. Seus movimentos rítmicos são a primeira forma de oração, sem palavras. Oração é o vazio que espera. A boca vazia ora pelo "pleno" que a satisfará: o seio da mãe. Mas o "pleno" do seio da mãe é também oração: quer uma boca que o sugue. Quando boca e seio se encontram o encaixe acontece. E a felicidade. O vazio de um é o pleno do outro. O vazio de um é a felicidade do outro.
Assim é o amor. A tristeza amorosa é o vazio desejando o pleno. Sócrates inventou um mito para explicar o amor. Disse que Eros nasceu do casamento entre a "Pobreza" e a "Plenitude". O amor é um buraco na alma. Quem ama é pobre. Falta alguma coisa. Peça desencaixada do quebra-cabeça. O sentimento amoroso é a nostalgia pelo pedaço que me falta, "pedaço arrancado de mim". Assim são o masculino e o feminino.
O masculino é o pleno que ora pelo vazio que o abraçará. O feminino é o vazio que ora pelo pleno que nele se encaixará. Quando os amantes se abraçam e as peças se interpenetram, os corpos se encaixam, como no quebra-cabeça. Todo ato de amor é uma realização efêmera de uma unidade original perdida.
Assim são o yang e o yin, o pleno e o vazio, o seio e a boca, o masculino e o feminino, a fala e a escuta.
A fala é masculina: o pleno, sêmen, semente, penetração (fodere, em latim, quer dizer cavar), ejaculação. Segundo o Aurélio, essa palavra, ejaculação, que é usada normalmente para designar o jato de esperma, significa também "proferir, dizer em voz alta". Ejacular esperma e falar são a mesma coisa.
O ouvir é feminino. O pênis ereto é uma pobreza. E uma súplica, uma oração por uma vagina que o acolha. A semente, para germinar, precisa de um buraco na terra que a acolha. A fala é pobre, falta. Procura o vazio do ouvido. A ejaculação da fala, masculina, acontece num momento. Mas a germinação da escuta, feminina, demanda tempo e silêncio.
Para ouvir não basta ter ouvidos. É preciso parar de ter boca. Sábia, a expressão: "Sou todo ouvidos". Todo ouvidos; deixei de ter boca. Minha função falante, masculina, foi desligada. Não digo nada. Nem para mim mesmo. Se eu dissesse algo para mim mesmo enquanto você fala seria como se eu começasse a assobiar no meio de um concerto. Faço, para ouvir você, o mesmo silêncio que faço para ouvir música.
Vou agora lhe revelar o segredo da escuta. Quando era iniciante na arte da psicanálise tratava de prestar a maior atenção naquilo que o cliente me estava dizendo. Levou tempo para que eu percebesse que quem presta muita atenção no que é dito não consegue escutar o essencial. O essencial se encontra fora das palavras. Fernando Pessoa, essa distração dos deuses, sabia disso e escreveu. Está num poema que ele dirigiu a um poeta. O poeta é um falador. Constrói objetos com palavras. A esse poeta, cujo negócio é falar, ele diz:

Cessa o teu canto.
Cessa, porque enquanto
o ouvi, ouvia
uma outra voz
como que vindo nos interstícios
do brando encanto
com que o teu canto
vinha até nós.
Ouvi-te e ouvi-a
No mesmo tempo
E diferentes
Juntas a cantar.
E a melodia
Que não havia
Se agora a lembro,
Faz-me chorar.


Preste atenção no que está escrito. Fernando Pessoa diz que a fala tem duas partes. A primeira são as palavras que são ditas: a letra. A segunda é uma melodia que se faz ouvir nos interstícios da fala: a música.
A letra é coisa do consciente, cerebral. A música é coisa do corpo, inconsciente. Aquilo a que a psicanálise dá o nome de inconsciente é a música do corpo. Quem diz a letra não percebe que está cantando.
Tem havido tentativas de produzir uma fala que seja só letra, sem a música. A ciência e a filosofia têm-se esforçado por esse ideal - uma fala da qual o corpo do que fala esteja ausente. Fala sem alma, só informação. A voz metálica, monótona, indiferente, de robô, dos serviços de alto-falantes dos aeroportos é uma expressão sensível desse ideal desumano. Você poderia imaginar um diálogo de amor com essa fala? Não existe voz humana que não tenha música.
Aí Fernando Pessoa diz que a letra não tem importância. Não é nela que se encontra aquilo que importa escutar. Pede até ao poeta que pare de falar porque a fala dele atrapalha ouvir a melodia... Esse é o absurdo segredo da escuta: é preciso não escutar o que se diz para se poder ouvir o que ficou não-dito, a música. É na música que mora a verdade daquele que fala.
Assim, se você quiser ouvir bem, não preste muita atenção na letra. Esqueça as lições da hermenêutica, a ciência da interpretação dos sentidos. Aprenda a sentir a música. Todos os tipos de música, do tam-tam dos tambores a Boulez. Porque o que os compositores fizeram foi só fazer tocar em instrumentos aquilo que era tocado pelo corpo. Parafraseando Uexküll: "Todo corpo é uma melodia que se toca." Seria bom se, nos cursos de psicologia, se lesse menos livros e se ouvisse mais música.

30 agosto, 2011

Desamor

Quando perdi meus olhos?
Há quanto usavam os teus?
Olhos  que me fizeram linda
Me viram tão moça
Acreditaram tanto no que viam
Me convenceram....

Quando perdi teus olhos?
Há quanto se desencantaram?
Deixaram o belo se esvair
A dor se torna implacável
Não quero crer no que vejo
Me entristeceram...

29 agosto, 2011

Paulo Leminski


isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além


O ASSESSOR DO SILÊNCIO
O assessor do silêncio
vive em meu peito, por dentro
não responde ao censo
não pergunta a hora
ignora o tempo
O assessor habita
palavras silenciosas
o interior das rosas
o quarto mais só das casas
o vento
Quem conhece este senhor
de modos sombrios
traços finos, gestos frios
ensimesmado, assessorando
este mundo calado...
quem priva dele
companheiro da insônia
inquilino do breu...
não sabe ou se sabe não fala
que a casa onde ele se instala
é meu albergue, minh'alma...
 o dito cujo, sou eu!
(Sérgio Natureza)

30 julho, 2011

EM PEDAÇOS


Destroçado
ando catando os cacos
da última queda


nada que me prive de pular
nada que me impeça de sonhar


se viveres até lá...


verás
a linda colcha de retalhos


que, pelas mãos da dor
que, pelos seios do amor


... me transformei.


- cuidado, não pise em meus cacos!



C.H.Gonçalves 

As malas - de novo!!




Entre o roer ansioso de unhas e um acorde precioso de mais uma linda e nova melodia, talvez se lembre do café amargo e achocolatado que tem o poder do despertar... talvez lhe venha lembranças carregadas do ódio que às vezes lhe invade, ou talvez chores enternurado por tropeçares em algum bilhetinho, uma capa de óculos, em algum pedaço que restou da fúria que a tudo destroça. Talvez seja sóbrio pra admitir que não fizestes a parte que lhe coube, que lhe faltou a coragem de esvaziar os baús, lançar mão dos guardados que trazem vícios e recalques... desocupando assim lugar para amor que renova, para paz que pode vasculhar e fazer tudo novo, de novo!! Preferes se odiar pelo que poderia ter vindo - e já foi...

Lembro do perfume do Saara, deserto de humores e carinhos, das águas das mais diversas fontes... músicas que pareciam ser feitas para aquele momento, gostos que jamais se repetirão, sensações únicas... Reminiscências, a marca do sabonete, o queijo caro, umas rolhas de vinho, cardápios improváveis e únicos em sabores!! Tanta discórdia, que sempre procuramos atribuir aos outros... ou não! Muitas das brigas já nem sabemos os motivos. Mas lembro de cada promessa de estarmos juntos, da aliança que gritava pela eternidade. Amor, paixão, ameaça - dor!! O que poderia ter sido....e  não será mais!

Do sonho nada restou... um dia talvez saibamos o que ficou. Olhares? temores e tremores? retratos em algum hd...esquecimentos que ainda doem, reenlaces e distanciamentos, incoerências e vergonhas, falta de razão e muita emoção, 

Se vão os rascunhos, e fica essa realidade, dura, nua, crua!!

...Êi moço, me ajuda a carregar essas malas?? quanto tempo daqui ao aeroporto?? O senhor se lembra de onde eu vim? podes me ajudar a reencontrar a minha história?? Vira o espelho pra cá, preciso de um batom...


11 julho, 2011

VENTANIA

‎"O que não faz o amor?
Faz, refaz,
talha, retalha
e cozinha em fogo brando
e recostura a casa
e desamassa a roupa
e atiça o fogão
e inventa coisas que a razão
jamais inventaria...

E o que faz o coração?

Faz ventania!"
(Joyce- Hermínio Bello de Carvalho)
Do CD TIMONEIRO

Oscar Wilde

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

12 abril, 2011

Ivan Lins - Depois dos temporais

O tempo me guardou você


Coisa mais bonita
Onde você estava?
Em que terra, em que país?
Toda minha vida
Sinto que esperava
Por você pra ser feliz
A gente se amava
Antes de se conhecer
O tempo me guardou você
O tempo me guardou você
Coisa mais bonita
Tudo que procuro
E já nem sonhava ter
Você não acredita
O quanto era escuro
Ter a luz e não prever
Pega meu futuro
Jura que não vai perder
O tempo me guardou você
O tempo me guardou você
O tempo me guardou você

(Ivan Lins e Celso Viáfora)