15 dezembro, 2012

Canção da Plenitude

                                                              
Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)
O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

Lia Luft

03 novembro, 2012

Desnuda




me prefiro controversa
atrevida, mal vista
protegida de mim mesma
e de quem me desconcerte
lua foi,é noite alta
no peito tempo batendo
assovia a chuva pela grêta
janela não tem  diamante
nem a cama, o amante dela
sem luz na fresta, sem festa
calafrios em corpo quente
carecente,  sem coberta
o tempo ressoa o lamento
dum peito que desconcerta
da face  ruborecida
de vergonha descoberta
leniente e desnuda... choro





Gravura: Michelle Cunha

27 outubro, 2012

UM NOVO JÓ

Desfrutado entre bichos
raízes, barro e água
o homem habitava
sobre um montão de pedras.

Dentro de sua paisagem
- entre ele e a pedra -
crescia um caramujo.

Davam flor os musgos...
Subiam até o lábio
depois comiam toda a boca
como se fosse uma tapera.

Convivência de murta
e rãs... A boca de raiz
e água escorria barro...

Bom era
sobre um pedregal frio
e limoso dormir!
Ao gume de uma adaga
tudo dar.

Bom era ser bicho
que rasteja nas pedras;
ser raiz de vegetal
ser água.

Bom era caminhar sem dono
na tarde
com pássaros em torno
e os ventos nas vestes amarelas.

Não ter nunca chegada
nunca optar por nada
Ir andando pequeno sob a chuva
torto como um pé de maçãs.

Bom era entre botinas
tronchas pousar depois...
como um cão
como um garfo esquecido na areia.

Ir a terra me recebendo
me agasalhando
me consumindo como um selo
um sapato
como um bule sem boca...

Ser como as coisas que não têm boca!
Comunicando-me apenas por infusão
por aderências
por incrustações... Ser bicho, crianças,
      folhas secas!

Ir criando azinhavre nos artelhos
a carne enferrujada
desfeita em flor de ave, vocábulos, ícones.
Minhas roupas como um reino de traças.

Bom era
ser como o junco
no chão: seco e oco.
Cheio de areia, de formiga e sono.
Ser como pedra na sombra (almoço de musgos)
Ser como fruta na terra, entregue
aos objetos...

Manoel de Barros -

22 outubro, 2012

QUEM É VOCÊ?

Quem é você
Por que te vejo sem te ver
Quem é você
Sabe você,
Por que te sinto sem te ver
Quem é você
Por que te espero sem saber
Quem é você
Quem sabe lá,
No fim do coração
Você é só prá mim a solidão
Quando eu te ver,
Não sei se vou me conhecer
O que vai ser
Será por mim, por ti,
Porque decerto nem sei mais,
Por onde anda a minha paz
Quem é você
Por que te amo sem querer,
Alguém por mim,
Me faça enfim te conhecer
Pra eu ser feliz.

Milton Nascimento

A paixão e a jura

"Eu ando sofrendo tanto
Quando essa paixão me invade
Que às vezes me pego em pranto
Com receio de ferir outra amizade
Você me procura
E eu não sei negar amor nem resistir
Mas fiz uma jura
E essa jura é tão difícil de cumprir...
Talvez tudo isso seja breve
Talvez eu volte ao meu caminho
Talvez essa paixão me leve
Talvez eu venha terminar sozinho"

Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte

19 outubro, 2012

INSANA


A noite era piche

Luar? nem pensar!


Seu olhar azeviche


Impossível ponderar


Fiz-te abrigo e trapiche


Arrepio e febre


Terçã... insana



Ladrão de mim



Sonhei ser amada



Seu cabelo era piche



Fugir? nem pensar!



Trouxe cadentes em prata



Eu mesmo de arribada



Fiz-me noite ensolarada



Possuída de meninez.


13 outubro, 2012

Eu... retalho



Embora áspero o dia

Insisto em bordá-lo com sutilezas


Hoje ainda... depois é sei lá!


Miçangas de perdão


Pontos coloridos de recomeço


Lantejoulas de fé


Uma colcha enorme...


Retalhos de mim.

Coração... bobo?


07 setembro, 2012

Oficiodeescrever: da série: Tenho um amigo que disse que eu:

Oficiodeescrever: da série: Tenho um amigo que disse que eu:: Preciso modificar alguns hábitos ou melhor  arrancar todos eles, os quais delicadamente nomeou de síndrome “habimort”, ou seja, hábitos que...

19 junho, 2012

GOIÂNIA - voltei!!


Goiânia... meu torrão natal! Eis-me aqui - de novo!!
Encontro 5 anos depois uma cidade ainda mais bonita, limpa, muito arborizada, com um trânsito super lotado de carros novos e importados, tantos viadutos e conversões que não conhecia.
Tô reaprendendo a andar, reconhecendo velhos lugares, aprendendo novos caminhos.
Quero ser feliz aqui, como  sempre quis ser feliz em qualquer lugar... e que me venha Goiânia!!
Afinal eu e um monte de gente: QUANDO QUER MAIS, VAI PRA GOIÁS!!

21 março, 2012



O sonho encheu a noite
Extravasou pro meu dia
Encheu minha vida
E é dele que eu vou viver
Porque sonho não morre.

10 janeiro, 2012

WANDA MONTEIRO



A madrugada
Já não me é mais doce
A madrugada
Já não me é mais morna
      
A madrugada
Já não me afaga como brisa
A madrugada
Gélida
Singra–me
Vara-me
Parte-me
Deixando-me em ruínas
A madrugada
Já não me é contemplação 
A madrugada
Agora
Contempla meus escombros