27 outubro, 2012

UM NOVO JÓ

Desfrutado entre bichos
raízes, barro e água
o homem habitava
sobre um montão de pedras.

Dentro de sua paisagem
- entre ele e a pedra -
crescia um caramujo.

Davam flor os musgos...
Subiam até o lábio
depois comiam toda a boca
como se fosse uma tapera.

Convivência de murta
e rãs... A boca de raiz
e água escorria barro...

Bom era
sobre um pedregal frio
e limoso dormir!
Ao gume de uma adaga
tudo dar.

Bom era ser bicho
que rasteja nas pedras;
ser raiz de vegetal
ser água.

Bom era caminhar sem dono
na tarde
com pássaros em torno
e os ventos nas vestes amarelas.

Não ter nunca chegada
nunca optar por nada
Ir andando pequeno sob a chuva
torto como um pé de maçãs.

Bom era entre botinas
tronchas pousar depois...
como um cão
como um garfo esquecido na areia.

Ir a terra me recebendo
me agasalhando
me consumindo como um selo
um sapato
como um bule sem boca...

Ser como as coisas que não têm boca!
Comunicando-me apenas por infusão
por aderências
por incrustações... Ser bicho, crianças,
      folhas secas!

Ir criando azinhavre nos artelhos
a carne enferrujada
desfeita em flor de ave, vocábulos, ícones.
Minhas roupas como um reino de traças.

Bom era
ser como o junco
no chão: seco e oco.
Cheio de areia, de formiga e sono.
Ser como pedra na sombra (almoço de musgos)
Ser como fruta na terra, entregue
aos objetos...

Manoel de Barros -

22 outubro, 2012

QUEM É VOCÊ?

Quem é você
Por que te vejo sem te ver
Quem é você
Sabe você,
Por que te sinto sem te ver
Quem é você
Por que te espero sem saber
Quem é você
Quem sabe lá,
No fim do coração
Você é só prá mim a solidão
Quando eu te ver,
Não sei se vou me conhecer
O que vai ser
Será por mim, por ti,
Porque decerto nem sei mais,
Por onde anda a minha paz
Quem é você
Por que te amo sem querer,
Alguém por mim,
Me faça enfim te conhecer
Pra eu ser feliz.

Milton Nascimento

A paixão e a jura

"Eu ando sofrendo tanto
Quando essa paixão me invade
Que às vezes me pego em pranto
Com receio de ferir outra amizade
Você me procura
E eu não sei negar amor nem resistir
Mas fiz uma jura
E essa jura é tão difícil de cumprir...
Talvez tudo isso seja breve
Talvez eu volte ao meu caminho
Talvez essa paixão me leve
Talvez eu venha terminar sozinho"

Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte

19 outubro, 2012

INSANA


A noite era piche

Luar? nem pensar!


Seu olhar azeviche


Impossível ponderar


Fiz-te abrigo e trapiche


Arrepio e febre


Terçã... insana



Ladrão de mim



Sonhei ser amada



Seu cabelo era piche



Fugir? nem pensar!



Trouxe cadentes em prata



Eu mesmo de arribada



Fiz-me noite ensolarada



Possuída de meninez.


13 outubro, 2012

Eu... retalho



Embora áspero o dia

Insisto em bordá-lo com sutilezas


Hoje ainda... depois é sei lá!


Miçangas de perdão


Pontos coloridos de recomeço


Lantejoulas de fé


Uma colcha enorme...


Retalhos de mim.

Coração... bobo?